Memórias de Verde, Silêncios de Azul

Poemas soltos, por Elsa Braz

quinta-feira, janeiro 28, 2010

Como as árvores

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Por ter completado 70anos, não podia mais continuar a trabalhar.
Arrumou os livros, os papeis, todos os poucos pertences de uma longa vida de trabalho, estudo, investigação, defesa, doação.
E saiu. Com o limite de tempo, entre as mãos!...
Olhou-se, no vidro da vitrina, mesmo à esquina. Tão curvada!... Mas...o mesmo olhar azul, ´ceu e mar, o mesmo coração a bater desenfreado. A mesma menina criança, cantando à vida.
Foi dificil recomeçar. O que fazer com a liberdade de um dia inteiro( ela que nem sequer já se habituava ao dia), o silencio da casa até então vazia( regressava sempre ao anoitecer), aquele anónima de casca envelhecida, igual a muitos anónimos. Então...a riqueza de conhecimentos, o tesouro de tanta sabedoria, uma vida inteira?!...A dar, a gerir, a cumprir?!
Pegou no que restava. A força, o sentido, a dimensão da vida.A mesma menina criança de olhos azuis céu e mar, com o coração do tamanho do mundo.
E vive.
Como as árvores.

quarta-feira, janeiro 27, 2010

Como as árvores

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Por detrás dos vidros, já embaciados, naquele oitavo andar direito, está a D. Maria. Ás vezes, quase se vai arrastando, mas fica ali horas a fio, observando. Faz sinais de adeus a quem passa, atira beijos ás crianças, sorri com as brincadeiras, toma partido nas discussões, bate palmas ao sol e voa, nas asas dos pássaros, muito além do céu, muito para lá do mar!...
Quando o marido ainda era vivo vinham até ao jardim, ao supermercado, ao cinema. Conversavam com todo o mundo. Todo o mundo era deles.
Agora, ficou com a janela. E o silêncio. O abandono de uma casa. Sempre cheia. Os filhos, os amigos dos filhos, os amigos dos amigos.
Ficou. Guardiã do bairro, da vida de cada dia. Como uma sentinela.
Vive.
Não desiste.

Como as árvores

Hoje resolvi escrever.
Mensagem, desabafos, testemunhos.
Simplesmente, escrever.
O que me vai no coração. Foi guardado durante muitos anos. E está presente, nas vozes de quem ainda consegue falar, muitas vezes com silêncios.
A minha própria voz.
«- Como as árvores»- vai ser o tema. Um espaço, para dar voz áqueles a quem chamam velhos.
A idade é um pretexto que é utilizado para marginalizar, descriminar, apagar, reduzir. Muito poucas vezes para admirar, aprender,respeitar, valorizar.
Como as árvores que continuam de pé até ao fim. Marcando o sentido da vida e da esperança.
Assim este espaço.