Memórias de Verde, Silêncios de Azul

Poemas soltos, por Elsa Braz

sábado, julho 17, 2010

3 - As mensagens da Inês

O Filipe transformou o sótão no seu pequeno mundo.
Mal se entrava viam-se os computadores, a impressora e o telefone, ao lado de montes de livros e papeis que já não cabiam nas estantes; depois, do lado direito, estava o aquário com peixes de várias cores, a televisão e o sofá em cima de um grande tapete. Do outro lado era o quarto com uma grande cama fofinha enfeitada com um edredão cheio de barcos de todos os tamanhos e um candeeiro em forma de foguetão. Quando se apagava a luz, as estrelas suspensas mesmo por cima da cama acendiam-se, cintilando. Um encanto!
A pequena Inês, sempre que ia a casa da avó e sabia que o tio Filipe não estava por perto, corria a esconder-se no sótão. Era difícil encontrá-la.
«- Inês. Inês.» Chamava a mãe; quase gritava a Tucha. E nada.
«- O que estás aqui a fazer?» perguntou a avó, cansada de a procurar.
«- Estou mais perto das estrelas». Estendeu a mão para mostrar aquele céu que quase tocava na sua cabeça.
«- Não precisas de fugir das pessoas para estares mais perto das estrelas. Sabes porquê?»
«- Não.»
«- Estas estrelas são de papel pintado com uma tinta que faz brilhar no escuro. Estão coladas no tecto. Mas há estrelas, de verdade, nos olhos das pessoas, quando o coração está cheio de amor. E brilham tanto que quem as vê, fica inundado de luz.»
Ficaram em silêncio.
A pequena Inês desenhou nos lábios um sorriso de madrugada.
«- Há estrelas nos meus olhos, avó?»
«- São tantas, que enchem a minha vida.»

sexta-feira, julho 16, 2010

2 - As mensagens da Inês

A Inês pegou numa folha de papel e desenhou no canto superior direito um malmequer azul.
«É mesmo da cor do céu, para poder voar».
Depois apagou uma das pétalas e voltou a desenhá-la um pouco mais a baixo. «Bem-me-quer», exclamou. Era isso mesmo que queria. «Querer bem».
Começou, então, a escrever em letras grandes – MENSAGEM DE FÉRIAS
«- As férias não são só um tempo de descanso. São acima de tudo um abrir de portas e janelas.
Durante todo o ano vivemos muito atarefados com o estudo, o trabalho, as múltiplas ocupações; nem conseguimos respirar direito quanto mais abrir as portas do coração, ou as janelas, olhar para os que nos rodeiam, ou pensar naqueles que estão longe. Vemos só o imediato, o absolutamente necessário. Está em jogo a competição, a nossa vida, o nosso mundo. Nós recebemos, guardamos, armazenamos.
Mas nas férias, não. As portas e janelas do nosso coração abrem-se para agradecer, para olhar, para louvar.
Agradecer o amor que nos faz sentir, dar, abraçar.
O amor que nos lança para o alto, onde tudo se renova, onde tudo se explica, onde tudo tem começo e fim.
O amor que nos une, no mesmo cântico de homenagem, aos pássaros, às flores, ao mar, ao vento.
E olhar, como se fosse a primeira vez, a vida. O dom infinito da vida. Que nos faz crescer numa fraternidade.
Olhar, para ver, perder e encontrar.
Estender os braços. Abraçar, perdoar, dando passagem a todos os lados, abrindo horizontes nos caminhos, construindo silêncios e enchendo vazios.
Acima de tudo, louvar.
Louvar o sol, a chuva, os dias de neblina, os sorrisos abertos na brisa, as conchas perdidas na areia, os frutos maduros nas árvores, o pão….»
A Inês, depois de uma pausa, leu o que acabara de escrever.
Depois, para terminar, acrescentou:
«-As férias são tempo de descanso quando resultam em crescimento, renovação, encontro».

quarta-feira, julho 14, 2010

1 - As mensagens da Inês

Hoje, a minha neta Inês veio oferecer-me três pequeninas conchas, embrulhadas num guardanapo de papel.
«- Avó, faz de conta que esta é a praia.»Foi dizendo, enquanto desdobrava o guardanapo.
«- Estas conchas ficaram perdidas. Foram abandonadas na areia, por uma onda qualquer.»
«- Agora… (e estendeu a mão, muito além do papel) … onde tu quiseres está o mar.»
Sorri, enquanto acariciava aquele olhar, amanhecer.
Quando ia agradecer, a Inês recomendou: «- Avó, não te esqueças das conchinhas. São muito simples, umas conchas de nada. Mas têm o segredo do mar, do céu, das gaivotas. Fala com elas.»
Dispunha-se a sair quando pareceu lembrar-se de mais alguma coisa.
«- Fala com palavras simples, que elas entendam. Não lhes queiras mostrar que sabes muito, que conheces tudo.
Estão perdidas, na imensidão da areia. Só precisam encontrar a direcção do mar.»


Durante muito tempo fiquei ali, naquele recanto da sala, com as conchas que a Inês me ofereceu.
Fiquei ali, pensando, quase divagando, por aquela praia de papel onde uma criança corria, em busca de conchinhas perdidas.
A minha neta Inês. Tão tímida, tão frágil, insegura, quase medrosa. Mas com um coração tão grande, tão atento, tão solidário!...
«- São conchas de nada… avó. Mas têm um segredo.»
«- Fala com elas.»

A vida. A praia da vida.
Quantas crianças abandonadas, sofridas, sem encontrarem a direcção, o rumo?! Tantas conchas de todos os tamanhos, múltiplas formas, tão variáveis!...Sem encontrarem… o destino.
«- Fala com elas.»
Não através de grandes movimentações, campanhas, propagandas políticas, negociais.
«- Não lhes queiras mostrar que sabes muito!..»
Fala-lhes a linguagem do amor e da esperança A linguagem do coração.
«-Palavras simples, que elas entendam.»
Só querem encontrar a direcção do mar!...Ignorando, esquecendo, amarfanhando. Destruindo.
Uma praia com pessoas que se perdem. Frágeis, sem rumo, sem ideais.
À espera. De quem lhes estenda o coração. Lhes fale a linguagem da simplicidade e da esperança.
Com pessoas.
Que caminham, sempre ao encontro, erguendo pontes, cais de partida e de chegada. Construindo barcos e abraços. Ressuscitando o tempo e a vida.

Uma praia. Num infinito mar!...