Memórias de Verde, Silêncios de Azul

Poemas soltos, por Elsa Braz

sexta-feira, maio 04, 2012

AS ARVORES VIVEM DE PÉ

O banco do jardim, abrigado do vento, era o ponto de encontro da dona Maria do 7ºesquerdo. Encontro com os pássaros que iam rareando, algumas folhas que continuavam balançando a dança do chão, o sol morno, aconchegante, naquela hora do dia e os vizinhos mais destemidos, sem receio das constipações.

Mesmo em frente ao prédio, como guardiã aos assaltos, ás invasões de privacidade, ao entra e sai. Porque durante o resto do dia tinha a janela e todo o horizonte que se estende, até abraçar o rio.

Mal me viu, acenou.

«- Ainda continuo de pé…como as árvores.»

Enquanto arranjava um espaço, mais ao lado do sol, no resto do banco fui falando.

«- A crise?»

«- Qual crise? A crise dos valores? Do respeito? Das boas maneiras?

A crise dos afectos, das tradições, do sentido da vida, do amor?

Ah sim…isso é crise. Uma crise de angustia.»

Recostou-se melhor no banco.

«-Atravessei, tantas vezes, todos os desconcertos, de múltiplas guerras, revoluções, intempéries, fome, muita fome, medo, incerteza do dia e da noite. Desisti? Não. Vim para a rua criar desacatos, assaltar, roubar, desrespeitar, destruir? Não. Arregacei as mangas, trabalhei, muitas vezes quase no impossível, criei, fortaleci… a vida, o amor. E venci.

Sempre, com fé.

Hoje, a crise de angústia é a falta de fé.»

Limpou os óculos, embaciados pelo respirar ofegante.

«- Não há segurança, nem estabilidade. Muito se perdeu.» Acrescentei.

Esteve em silêncio olhando a rua.

«-Deixou de haver respeito. Insulta-se, põem-se a ridículo o Presidente da Republica, os ministros, os professores, as forças da ordem e da moral, os pais, os filhos.

O respeito é segurança, estabilidade.

Deixou de haver valores. A vida, o direito à vida.» Continuei.

«-A família. Adulterou-se o amor. Incentivou-se, facilitou-se, quase se gratifica o aborto, pôs-se a saldo o casamento. E vão-se inventando normas! …Para os mais novos? Os construtores do futuro? Sem rumo? Sem saída?»

Ficamos em silêncio. Aquele silêncio do desencanto mas também das grandes decisões.

«- Só nos resta arregaçar as mangas.» Disse a dona Maria, com um fulgor renovado de Juventude.

«- É isso, minha amiga. Arregaçar as mangas. Ir à luta. Não desistir. Cada um no seu canto, com as possibilidades que tem.

Basta de palavreado, promessas vãs, discussões vazias, insultos. Na Assembleia, nos meios de Comunicação Social, nos lugares comuns.

Basta de encher os bolsos a uns e deixar os outros na miséria.

Basta.

Peguemos no que resta.

Sem utopias.»