Memórias de Verde, Silêncios de Azul

Poemas soltos, por Elsa Braz

domingo, janeiro 09, 2011

6 - As mensagens da Inês

«- Avó, agora já podes ir para a rua, sem medo de magoar os pés.

Podes passear no parque, ir até à praia ou, então …(e olhou os meus pés deformados pelas artroses e a força de quantos ventos se foram arrastando) … fica sentada num dos bancos do jardim, vê as flores, as árvores, quem vai passando!...»

Dos bolsos do casaco tirou umas pequenas pedras, restos de tijolos, grãos de areia, enchendo um dos cantos da mesa.

«-Estás a ver. Apanhei todas as pedras. Nunca mais te vão doer os pés».

Fiquei em silêncio, durante alguns instantes.

Quando ia falar, agradecer, fez um sinal com as pequenas mãos, ainda manchadas de pó.

«- Não digas nada. As pessoas crescidas falam demais.

Vai… vai até ao jardim.

E, não te esqueças – diz também aos teus amigos.»



XXX

«- Não te esqueças. Diz também aos teus amigos».

A mensagem da Inês.

Não está acompanhada de um rótulo, preço, ou qualquer slogan de propaganda. Por isso mesmo, nem sequer vai ser lida.

Que interesse é que tem, no início de 2011, uma menina que apanha as pedras da rua só para a avó poder caminhar sem magoar os pés, o coração, a alma?

Uma menina que, identifica as pedras da rua como a causa para a solidão, o abandono, a impossibilidade de ir, ver, amar. E, depois de identificar, enche os bolsos. Com todas as pedras que consegue apanhar. Feliz. Pela avó. Pelos amigos.

No Ano que começa, tão nebuloso, a solução não estará nas causas? Reconhecer as causas. Da indiferença, abandono, exclusão. Redução, aniquilamento. Em todas as idades.

Causas. Que se vão tornando pedregulhos.

Falta de emprego, reformas degradantes no final de uma vida de trabalho, insuficiências de toda a ordem, miséria, fome. Corrupção.

Reconhecer e agir.

Não, simplesmente, tratar os efeitos.

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