Memórias de Verde, Silêncios de Azul

Poemas soltos, por Elsa Braz

quarta-feira, maio 19, 2010

Aos meus filhos

A vida
Deixou-me
Á beira de um caminho

Com as mãos cheias de sonhos.

Podes ser árvore
Ou pássaro
Criar raízes
Ou voar.

Fui vento
Chuva
Terra arável
Tempo de amor
Espera.

Cresci em ramos
Abracei espaços
Verde
Nos rebentos
Nas folhas
A magia das flores.

Irmã das madrugadas
Das tempestades
Das bonanças
Embalei berços e afectos
Semeei ilusões
Certezas
E voei
Nas asas dos pássaros.

Poemas de amor presente

(À madrinha Arminda

O sol
Naquele girassol
Das nossas vidas)

Gira
O girassol
Sem nunca cansar
Sem nunca parar
À volta do sol.

Gira
Que gira
O girassol.

E de tanto girar
O sol
Já não sabe
Se é girassol
Girando
A girar
Ou se é o sol.

Quem passa
No olhar
E vê a girar
À volta do sol
Aquele girassol
Que gira
Que gira
Sem nunca cansar
Não pode deixar
De levar
O sol

Naquele girassol.


Elsa 24-2-201o

sábado, maio 08, 2010

Eu cantarei

Mesmo que o vento
Continue a soprar
Levando as pétalas
De quantos sonhos…

Mesmo que o sol aqueça
E amoleça
O chilreio
Dos melros
E dos rouxinóis…

Mesmo que o tempo
Se deixe rasgar
Por nuvens sombrias
E os dias anoiteçam
Nos olhares…

Mesmo que as janelas
Deixem de florir
Nos girassóis
E nas malva-rosas…

Eu continuarei
Cantando…

Com voz rouca
Que seja

O mundo
A vida.

O PÁSSARO AZUL E A ANDORINHA PRIMAVERA

Ao João e à Susana
Aos meus netos


Introdução

Esta é uma história de amor.
Aconteceu há muito, muito tempo, na imensa floresta da vida onde os pássaros sonham as canções, a conquista do espaço, o mistério dos ninhos e as arvores, as flores são castelos e fortalezas, esperanças e perfume.
Uma história de amor igual a todas as histórias de amor.
Diferente.
Porque um melro, profundo como a noite de todas as descobertas, ouviu de uma raposa a mensagem que se tornou luta, persistência, sacrifício, doação.


Aconteceu… assim…


Como todas as histórias…


Era uma vez…



Um pássaro azul, com asas de céu e de mar.


Uma andorinha primavera
Enfeitada de sol

A vida.

Deserto de anseios e quimeras.

Jardim onde nascem todas as manhãs.

Floresta sem limites de sonhos e de medos.

Nas margens de uma Grande Nascente.


E o Amor.

Sem limites.
Mais forte que a força dos temporais.
Mais profundo que todos os silêncios.
Maior, muito maior que o mar.

1



Um dia
Quando a manhã se espreguiçava num alvoroço de sol
O pássaro azul viu uma andorinha que afagava as rosas de um canteiro.
Ia saltitando como quem sacode as ultimas gotas de orvalho.

Uma andorinha tão gentil!

Ficou olhando, embevecido.

«- Sou a andorinha primavera.» Disse a andorinha quando olhou para os ramos a despontar em rebentos e viu um pássaro todo manchado de céu e de mar.
«- Sou o pássaro azul.» Acrescentou o pássaro num agitar de asas.
E o coração batendo, batendo acelerado.
Quanto tempo?!

O que é o tempo?!..

2


Falavam de tudo. E de nada.
Aprendiam vozes e silêncios. Segredos de voos, conquistas de espaços.
Adormeciam sonhando o acordar.
Rasgavam os dias num cantar sem limites, traçando asas de uma crescente e renovada esperança.

3



O pássaro azul, a andorinha primavera
Viviam a magia de um encantamento.

«- São namorados. São namorados.» Falava o sol, num segredar às nuvens que se iam amontoando.
«- São namorados.» Chilreavam os pássaros vindos de longe.

4


Foi então que aconteceu o temporal.
Ventos cada vez mais fortes arrancavam as folhas, partiam os ramos, destruíam os ninhos no sonho das aves.
Rasgavam o céu, golpeavam a natureza.
Depois a chuva. Alagando, arrastando tudo…


Um temporal de medo e de assombro.

Por fim, a noite.


Quando a manhã aconteceu, de novo o sol se abriu.
De novo o desafio ao tempo, à vida.


6


No destroço dos canteiros as flores iam resgatando as pétalas e o perfume. As árvores inundavam-se de seiva e de promessas. Os pássaros vazios de espanto, reconstruíam os ninhos, retomavam a revoada!...

O pássaro azul?

A andorinha primavera procurou por toda a floresta, em todos os animais, todos os recantos e em quantos céus é possível voar.
E encontrou. Meio escondido nas folhas, nas pedras e na areia que a chuva arrastou.
Um pássaro magoado, ferido.

7


Quando um melro chegou, vindo das margens de um pequeno rio.
Como uma mancha negra, fria.
Um melro guardião dos pássaros, mais velho que todos os outros pássaros e com muitos mistérios no olhar.
E contou… a conversa entre uma raposa falante e um pequeno príncipe, triste, distante do reino, em busca de amigos.

«- … Cativar». Falou a raposa.
«- Que significa cativar?» perguntou o pequeno príncipe.
«- Criar laços. »
«- Criar laços?!...»
«- Isso mesmo.»
E a raposa continuou: «- Se me cativares serei única no mundo para ti; serás único no mundo, para mim.»

8


Cativar – murmurou a andorinha primavera.
Mas o melro continuou: - A raposa quando se despediu deixou um segredo: «- Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.»

«- O essencial é invisível para os olhos.» Repetiu a andorinha primavera, para não se esquecer.


9



No dia do casamento da andorinha primavera e do pássaro azul todos os pássaros vindos de perto e de longe encheram a floresta de cânticos novos, num chilrear que quase entontecia o sol.
Abriram-se as flores em pétalas de todas as cores e as árvores rejuvenesciam em folhas e rebentos. Apesar de ser Inverno!
A andorinha primavera tinha um vestido de noiva todo manchado de sol.
O pássaro azul era todo azul, nas penas, no olhar, no coração. Um azul céu e mar.

10


Depois de todas as juras de amor e fidelidade, os noivos partiram num voo, rumo ao futuro.
Conta-se que no céu ficou uma réstia de estrelas de todas as cores, como a magia de um encantamento.
E que ainda hoje, no dia 10 de cada mês, os enamorados olham para o céu, em busca daquela luz.



Elsa Braz
Janeiro 2oo9

A NOSSA SENHORA

Não trago as mãos
No jeito de rezar
Apenas
Para Te ofertar
Flores singelas
Sem valor
O meu amor
Num ramo
Acabado de colher

É o mês de Maio
Para Te oferecer.

Flores de dor
De angústia
E de saudade
Flores de esperança
A minha vida
Vestida de criança
A minha vida
Vestida de verdade.

Flores cheias de sonhos
Ainda por sonhar
Anseios brancos
Por desabrochar
Sorrisos escondidos
De tudo e de ninguém.

É o mês de Maio

Nossa Senhora Mãe.

LAURA E O POÇO SEM FUNDO

Á minha neta Laura Maria



Era uma vez…

1


Era uma vez… uma menina chamada Laura.
Nasceu num país muito distante.
Um país tão grande que, ás vezes, parecia não ter fim, banhado pelo maior oceano do mundo.
Vivia com os pais numa cidade, rodeada de lagos e florestas, montanhas escuras, manchadas de neve no Inverno e verdes de esperança quando rompia a primavera.
Uma grande cidade de pessoas anónimas, carros de todos os tamanhos sempre numa grande corrida não se sabia bem para onde.


2


A Laura gostava muito de passear nas tardes de Outono, misturar-se com as folhas que iam caindo das árvores; folhas vermelhas como fogo ou ainda com as cores do sol poente. Gostava de dançar aquela dança sem fim que o vento ensaiava com a natureza.


3

No Inverno quase adormecia, extasiada, escondida por detrás dos vidros da janela. Flocos de neve maiores que a sua mão, mais parecendo asas de gaivotas, rodopiavam, deslizavam levemente, muito de leve até caírem cobrindo o chão.
As bolas de neve que se atiravam ao ar…os bonecos com nariz de cenoura e o gorro de lã…aquele imenso lençol que ia engrossando e deixava tudo num silêncio, numa paz!..

4


E quando a primavera acordava, cheia de rebentos e de flores?!...
Como era maravilhoso esconder-se entre as tulipas que se confundiam num mar imenso de cores, apanhar os morangos e as framboesas, ouvir os pássaros vindos de muito longe.
E abrir o coração ao sol!...

5

E o verão?!..
Cheio de frutos madurinhos, sonhos de mar e praias sem fim, caminhadas até ao céu, num desafiar das altas montanhas?!
O verão, de calções, pés descalços, cabelos soltos como velas a esvoaçarem à mais leve brisa.
Como era bom fazer piqueniques, rebolar na relva, lançar papagaios de papel.
E ter a mãe e o pai contando histórias e cantando canções de amor e de esperança!
Como era bom o verão.

6


O verão onde tudo pode acontecer. Mesmo as coisas que julgamos muito longínquas, fora de alcance, só do imaginário!...


7


Foi numa tarde de muito calor, quando a Laura estava quase a dormitar, no sofá da sala, que o pai falou de uma grande surpresa.
«- O quê? Uma surpresa?!..»
«- Vamos fazer uma longa viagem. Vais conhecer a cidade onde eu nasci.»


8


Tantas horas de longos voos, muitos aeroportos com esperas intermináveis, o dia e a noite confundidos no torpor do cansaço, o sono, a ansiedade. Até que o pai anunciou:
«- Estamos a chegar!»
A Laura olhou pela pequenina janela do avião, muito cá para baixo e viu o mar; logo a seguir foi-se desenhando uma cidade. «-Tão linda!» Esfregava os olhos para ver melhor.
«-Sabes, um poeta escreveu que o meu país é um jardim à
beira- mar plantado.»
Estava tão emocionado!...Muita saudade. Uma longa ausência. Aquela alegria sem limites!...


9


Entre aquela multidão que se apertava, empurrava, à espera de quem chegava, o pai distinguiu o avô e gritou:
«- É o avô… olha o tio João.»
Lá estava o avô, nervoso, inquieto, a acenar. Com os olhos a saltar por detrás dos óculos!..
E o tio João com uma grande barriguinha e um sorriso tão doce!...

10



Tantos abraços que quase sufocavam. Tantos beijos que manchavam o rosto de uma ternura desconhecida.
A chegada a casa!...
A avó…os primos de todos os tamanhos, os tios…um mundo de afectos.


11


«- Estou tão feliz, papá. Por ter uma família tão grande!...»


12

Foram dias inesquecíveis.
Tantas surpresas, muitos passeios, tanta coisa bonita. E as brincadeiras com os primos?...
«- Laurita…Laurita…», chamava sem descanso, o Filipinho.
«- Laura», dizia o sorriso dos gémeos – Joana e o João
«- Vamos brincar…», falava a Inês e de imediato o – salta, salta, salta, – até caírem, rebolando, no chão.
Davam abraços apertados, para que nunca mais acabasse. Estendiam as mãos para guardar tudo, numa grande roda, que ia continuar… até ao outro lado do mundo!...


13


«- Hoje vamos à outra banda.»Disse o pai, depois do pequeno--almoço.

Atravessaram o grande rio que enfeitava a cidade, numa ponte a perder de vista. Uma longa ponte.
Depois estradas, casas, pequenas ruas, até que chegaram a um aldeamento de casas com as portadas amarelas, verdes, vermelhas, azuis e pequenos jardins à sombra de palmeiras.
Pararam numa praceta junto de uma casa com as portadas azuis.
Um sol rechonchudo, dourado, todo se derretia para uma lua prateada, muito dengosa, mesmo ao lado da porta. Por toda a parede pássaros de gesso, pintados de azul, levantavam voo, muito para alem dos cachos lilás da glicínia!..


14

Quando abriram a porta a Laura nem queria acreditar.
Grandes girassóis amarelos, às braçadas, como se a primavera nunca tivesse fim. E mensagens, muitas mensagens. De amor e de esperança. Como que a proteger fotografias. Tantas fotografias! Em quadros grandes, pequenos.


15

Toda a história da família.
Os avós, os tios, todos os primos.
Lá estava ela acabada de nascer… já a gatinhar… a correr e a brincar no baloiço. Uma Laura bebé, uma Laura crescida!...
Os casamentos, os baptizados, todos os momentos importantes,
imagens da vida de cada um, da vida de todos que iam preenchendo os espaços das paredes e muito para lá de qualquer espaço.


16


«- Avó, nunca mais vai acabar?» Perguntou apontando a dimensão da casa.
«- Nunca mais. É um poço sem fundo.»
«- Um poço sem fundo?»
A avó não ouviu porque estava a abrir a porta da cozinha.
«- Vem ver o jardim.»


17

O perfume das flores espalhava-se por todo o lado. As roseiras estavam cheias de rosas de todas as cores.
Um paraíso!
Quase em atropelo, saltando as escadas, um grande gato preto, de olhar ameaçador e uma cadela ainda maior, com um olhar inquieto.
«- É a Laurinha.» Apresentou a avó.
«- O Zecas e a Luna.» Falou o avô.
Aproximaram-se, então, confiantes.
«- O que é que vocês fazem aqui, sozinhos?»
Quis saber a Laura.
Eles não gostaram da pergunta. Observaram-na durante alguns instantes; depois, perfilaram-se no cimo da escada e com voz forte, de comando, responderam em coro: «- Tomamos conta do poço sem fundo.»

18

A Laura estava cada vez mais intrigada. Um cão e um gato que falavam e… tomavam conta de uma casa ou de um – poço
sem fundo?!...
Mas o avô chamava, da parte de cima, da horta, das árvores cobertas de frutos.
«- Vem comer os figos. Já estão madurinhos.»
Falava com a boca cheia.


19


Depois de todas as surpresas, tantas maravilhas.!...
Depois de saborear os figos, as ameixas, os pêssegos, abraçar as rosas, a Laura aproximou-se da avó.
«O que é um poço sem fundo?»

20


A avó falou de um poço que aparecia no deserto, de água cristalina e transformava as dunas num oásis, matava a sede a todos os que chegavam e partiam.
«- Mas…esta casa… com tantas fotografias… tantas mensagens…»
«- Tudo isto é apenas amor. Muito amor. »
Acariciou o rosto da neta e, muito baixinho, continuou: «-O Mar só é mar porque tem os rios. O oásis só é oásis por causa do deserto.


21


Esta casa, este jardim… até o Zecas, a Luna…só são - um poço sem fundo, por causa do amor.
O amor de cada um.»

22


Depois de muitos voos, muitas esperas nos aeroportos, o cansaço de uma longa viagem, a Laura chegou, novamente, à grande cidade.


23

«Foram umas férias maravilhosas.
É tão linda a tua terra, papá!
Sabes, gostei muito de encontrar a família. Tão grande! …
Mas, acima de tudo, estou muito feliz, porque agora eu sei que, o nosso coração está cheio de amor.
É esse amor que vai manter, sempre, todos unidos.
Um poço sem fundo.»





Elsa Braz
20/o1/2010

TRÊS OCEANOS NO CORAÇÃO

«-… Contem-me uma história com palavras de mel na boca e eu ficarei no olhar com a música dos búzios.»

Dedicatória



A história que vou contar é dedicada à minha neta Laura Maria. Laurinha, como é mais conhecida.
Uma menina que fez três anos em Janeiro, tem os cabelos da cor do sol, um narizinho arrebitado, olhos castanhos, muito meigos.
Já sabe cantar, pintar com tintas de todas as cores, inventar brincadeiras com plasticina e … dar grandes saltos – salta, salta, salta até chegar à porta do sonho.
Gosta muito de ir à praia, ficar embevecida a olhar o mar, ouvir segredos! …

Transborda de esperança.



1


Naquela tarde cinzenta, a ameaçar chuva, com o vento a soprar cada vez mais forte, a Dona cegonha recebeu no seu telemóvel uma mensagem, um tanto misteriosa.
«- Reunião dos oceanos.»
Os bebés já estavam nas alcofas, enfeitadas com pétalas da cor do sonho e pequenas estrelas da manhã.
Todos os nomes e endereços estavam anotados nas guias de entrega.
Os táxis aéreos cansavam de esperar a ordem de partida.
Enfim, tudo estava como o previsto e funcional.

2

Apesar de saber, muito bem, orientar e fiscalizar as gaivotas que funcionavam como táxis aéreos a Dona Cegonha estava, constantemente, a ser confrontada com um sem número de problemas.
Temporais, calores sufocantes, falta de combustível por causa de algum tornado, atraso na entrega dos bebés pelo anjo da guarda e …agora este acordo dos oceanos.
Quando é que tal aconteceu? O Oceano responsável por cada bebé não tinha já efectuado o respectivo baptismo?
Então?...
Não tinham sido cumpridos todos os protocolos?


3

A Dona Cegonha era uma executiva de primeira classe. A primeira no ramo; não podia aceitar o desrespeito às normas.
E ainda havia o problema dos pais. Coitados! Nunca mais chegava a hora!...
A gaivota mensageira ia passando, dando algumas bicadas na janela. «- Está quase a chegar! Está quase a chegar!»
Eles vinham logo a correr, abriam a porta de par em par, mas …nada. Onde é que se tinha metido a cegonha?
Só viam uma gaivota a voar, lá no alto, no céu das gaivotas!...

4

E tudo por causa de uma mensagem no seu telemóvel, vinda directamente do gabinete do Oceano Pacífico?
Nunca tal acontecera.
Que grande falta de respeito!
A Dona cegonha não era uma cegonha qualquer. Era uma executiva de renome mundial!...

Um tanto aborrecida dirigiu-se ao computador e foi consultando os procedimentos.
«-Ok! Ok! Ok!
Tudo nos conformes.

5


Antes de uma criança nascer estava estabelecido um acordo. Sempre em vigor, desde todos os tempos. Um acordo entre o Céu, a Terra e o Oceano. A Terra deixava as promessas no olhar, o Céu toda a esperança no sorriso e o Oceano derramava no coração uma gota de água, com o sonho das ondas, a grandeza e a força.
Estava tudo assinado.
Porquê, então, aquela mensagem?...


6

Não sabia que fazer.
Tinha mesmo que aguardar. E se tomasse um chá?
Mas o telefone começou a tocar.
«- Está? Está lá?»
Que barulho ensurdecedor. Mesmo igual a um furacão.
«- Está? Está lá?» Quase gritava, sacudindo o telefone.
Depois de alguns minutos de insistência ouviu uma voz que mais parecia vir dos confins do infinito:
“- O Oceano Pacífico vai reunir com o Oceano Atlântico e o Oceano Glaciar Árctico. É uma emergência.»
«- Não estou a perceber! Está? Está lá?»
Mas o grande búzio, apenas, acrescentou:
«Aguardar resultado da reunião.»


7

E esta?
Uma reunião dos oceanos?!...

O que é que os Oceanos têm a ver com a entrega dos bebés?

8

A Dona cegonha estava demasiado inquieta e curiosa.
E, se ligasse para aquela onda vaivém do Ministério?
Sim, não eram amigas desde o tempo do curso de informática? Talvez conseguisse saber alguma coisa.
«- Blá, blá, blá, blá…»
A onda vaivém nunca mais se calava. Contava e recontava todas as fofocas dos mares, todas as paixões dos Oceanos, os sonhos dos búzios, a loucura das ondas! …
Todas as aventuras dos peixes, o encantamento das estrelas-do-mar, a guerra dos tubarões e a espuma cada vez mais rendilhada, só por causa da areia.
Nunca mais se calava a onda vaivém! E a Dona Cegonha, aflita das costas por causa das artroses e daquela ansiedade!...

9

Por fim a grande revelação.
«- Não sabes? Parece impossível! Ninguém te disse?»
A onda vaivém fez um silêncio, comprometedor. Depois acrescentou, em voz de confidência: «- O Oceano Pacífico está numa reunião, no salão nobre, com dois Oceanos – Atlântico e Polar Árctico.»
«- Mas porquê?» Insistiu a Dona Cegonha.
«- Por causa de um bebé que já ia ser entregue.»

10


«-Por causa de um bebé? E cancelaram todas as entregas?
Inadmissível!» Barafustava a Dona cegonha que tinha cumprido todas as formalidades junto dos respectivos mares. E tudo assinado!
A onda vaivém não se calava. Arranjava mil e um argumentos para justificar aquela intervenção dos Oceanos.
«- Tem paciência. Aguarda… aguarda o resultado da reunião. Olha… está outra chamada em linha. Gostei de te ouvir…»


11

A Dona Cegonha, furiosa, pousou o telefone de serviço, ligou a televisão e recostou-se no cadeirão.
Estava a começar o noticiário.

12

E por ali ficou. Quanto tempo?!...

As gaivotas batiam as asas inquietas, os bebés choravam já com fome, os pais imploravam a todos os céus.
A Dona Cegonha sonhava e sorria, sorria e sonhava.
Até que… o barulho estridente do telefone.

13

Trôpega, sonolenta, com a voz entaramelada a Dona Cegonha nem podia acreditar. A reunião acabou.
A reunião acabou?
O grande búzio, directamente do Ministério de todos os mares, numa voz solene, anunciou:
«- Podem começar as entregas.»
«- Mas… o que é que se passou… qual o resultado…»
O grande búzio nem se deu ao trabalho de uma explicação. Com a voz cada vez mais solene, foi repetindo: «- todos os bebés podem ser entregues aos pais. Sem demora».
«- E…» gaguejava a Dona Cegonha.
«- Nova convenção. Foram alterados os estatutos. Aguarde os novos formulários.»


14


E, foi isso que sucedeu.
O fax começou a trabalhar, numa velocidade espantosa, mandando orientações, avisos, ordens.
Os telefones sem pararem de tocar, os correios com entregas de documentação. Uma confusão.
Novos formulários!
Uma nova convenção.
Um novo acordo.

15



Estava determinado que o Oceano derramava, no coração de cada criança que ia nascer, uma gota de água, cheia de sal e de mistério, grandeza e força.
(Entendia-se por Oceano, apenas e só, o Oceano que banhava o país onde viviam os pais do bebé.)
Mas, a partir de agora, este artigo passará a ser alterado.
a) - Outros Oceanos poderão intervir.
b) – Desde que exista um motivo de força maior.


16

A Dona Cegonha depois de muito investigar, muitas noites sem dormir, telefonemas sem conta para todos os mares, apenas se ficou com as orientações que foram dadas e diziam respeito a uma menina que ia ser entregue em S. Diego, na Califórnia.
Além do Oceano Pacífico também o Glaciar Árctico e o Atlântico iam lançar, uma gota de água, no seu coração.

17

Mas porquê? Interrogava-se a Dona Cegonha.
Que motivo pode alterar o que estava estabelecido?
Um motivo de Força Maior?
Maior que todas as ondas e todos os ventos, todos os temporais?
Um motivo que vence todos os protocolos, todos os acordos e decisões?!...

18


Exacto.

O Amor.

O amor dos pais, na Califórnia?
Mas…não estava já incluído? A entrega estava pronta, os pais cansavam de esperar!
Não só.
O Oceano Atlântico e o Oceano glaciar Árctico foram acordados, no melhor do sono, por uma força maior, mais profunda e intransponível que as próprias forças brutas onde se moviam.
A Força do Amor.
Vinha de Portugal e da Finlândia.
Duas famílias.
Avós, tios, primos… sangue de muitas gerações.

19


Com uma exigência. Um ultimato.
A criança que ia nascer tinha que guardar no seu coração a grandeza de três Oceanos. Pacífico, Atlântico, Glaciar Árctico.
.
20


«- Cumpra-se.»
Dizia o novo protocolo. A nova convenção.







Foi assim…
A menina que a Dona Cegonha mandou entregar aos pais, na Califórnia, em S. Diego, é igual a todas as crianças.
Diferente!
Guarda três Oceanos… de Amor… no coração.









Maio 2010
Elsa Braz