Memórias de Verde, Silêncios de Azul

Poemas soltos, por Elsa Braz

sábado, maio 08, 2010

LAURA E O POÇO SEM FUNDO

Á minha neta Laura Maria



Era uma vez…

1


Era uma vez… uma menina chamada Laura.
Nasceu num país muito distante.
Um país tão grande que, ás vezes, parecia não ter fim, banhado pelo maior oceano do mundo.
Vivia com os pais numa cidade, rodeada de lagos e florestas, montanhas escuras, manchadas de neve no Inverno e verdes de esperança quando rompia a primavera.
Uma grande cidade de pessoas anónimas, carros de todos os tamanhos sempre numa grande corrida não se sabia bem para onde.


2


A Laura gostava muito de passear nas tardes de Outono, misturar-se com as folhas que iam caindo das árvores; folhas vermelhas como fogo ou ainda com as cores do sol poente. Gostava de dançar aquela dança sem fim que o vento ensaiava com a natureza.


3

No Inverno quase adormecia, extasiada, escondida por detrás dos vidros da janela. Flocos de neve maiores que a sua mão, mais parecendo asas de gaivotas, rodopiavam, deslizavam levemente, muito de leve até caírem cobrindo o chão.
As bolas de neve que se atiravam ao ar…os bonecos com nariz de cenoura e o gorro de lã…aquele imenso lençol que ia engrossando e deixava tudo num silêncio, numa paz!..

4


E quando a primavera acordava, cheia de rebentos e de flores?!...
Como era maravilhoso esconder-se entre as tulipas que se confundiam num mar imenso de cores, apanhar os morangos e as framboesas, ouvir os pássaros vindos de muito longe.
E abrir o coração ao sol!...

5

E o verão?!..
Cheio de frutos madurinhos, sonhos de mar e praias sem fim, caminhadas até ao céu, num desafiar das altas montanhas?!
O verão, de calções, pés descalços, cabelos soltos como velas a esvoaçarem à mais leve brisa.
Como era bom fazer piqueniques, rebolar na relva, lançar papagaios de papel.
E ter a mãe e o pai contando histórias e cantando canções de amor e de esperança!
Como era bom o verão.

6


O verão onde tudo pode acontecer. Mesmo as coisas que julgamos muito longínquas, fora de alcance, só do imaginário!...


7


Foi numa tarde de muito calor, quando a Laura estava quase a dormitar, no sofá da sala, que o pai falou de uma grande surpresa.
«- O quê? Uma surpresa?!..»
«- Vamos fazer uma longa viagem. Vais conhecer a cidade onde eu nasci.»


8


Tantas horas de longos voos, muitos aeroportos com esperas intermináveis, o dia e a noite confundidos no torpor do cansaço, o sono, a ansiedade. Até que o pai anunciou:
«- Estamos a chegar!»
A Laura olhou pela pequenina janela do avião, muito cá para baixo e viu o mar; logo a seguir foi-se desenhando uma cidade. «-Tão linda!» Esfregava os olhos para ver melhor.
«-Sabes, um poeta escreveu que o meu país é um jardim à
beira- mar plantado.»
Estava tão emocionado!...Muita saudade. Uma longa ausência. Aquela alegria sem limites!...


9


Entre aquela multidão que se apertava, empurrava, à espera de quem chegava, o pai distinguiu o avô e gritou:
«- É o avô… olha o tio João.»
Lá estava o avô, nervoso, inquieto, a acenar. Com os olhos a saltar por detrás dos óculos!..
E o tio João com uma grande barriguinha e um sorriso tão doce!...

10



Tantos abraços que quase sufocavam. Tantos beijos que manchavam o rosto de uma ternura desconhecida.
A chegada a casa!...
A avó…os primos de todos os tamanhos, os tios…um mundo de afectos.


11


«- Estou tão feliz, papá. Por ter uma família tão grande!...»


12

Foram dias inesquecíveis.
Tantas surpresas, muitos passeios, tanta coisa bonita. E as brincadeiras com os primos?...
«- Laurita…Laurita…», chamava sem descanso, o Filipinho.
«- Laura», dizia o sorriso dos gémeos – Joana e o João
«- Vamos brincar…», falava a Inês e de imediato o – salta, salta, salta, – até caírem, rebolando, no chão.
Davam abraços apertados, para que nunca mais acabasse. Estendiam as mãos para guardar tudo, numa grande roda, que ia continuar… até ao outro lado do mundo!...


13


«- Hoje vamos à outra banda.»Disse o pai, depois do pequeno--almoço.

Atravessaram o grande rio que enfeitava a cidade, numa ponte a perder de vista. Uma longa ponte.
Depois estradas, casas, pequenas ruas, até que chegaram a um aldeamento de casas com as portadas amarelas, verdes, vermelhas, azuis e pequenos jardins à sombra de palmeiras.
Pararam numa praceta junto de uma casa com as portadas azuis.
Um sol rechonchudo, dourado, todo se derretia para uma lua prateada, muito dengosa, mesmo ao lado da porta. Por toda a parede pássaros de gesso, pintados de azul, levantavam voo, muito para alem dos cachos lilás da glicínia!..


14

Quando abriram a porta a Laura nem queria acreditar.
Grandes girassóis amarelos, às braçadas, como se a primavera nunca tivesse fim. E mensagens, muitas mensagens. De amor e de esperança. Como que a proteger fotografias. Tantas fotografias! Em quadros grandes, pequenos.


15

Toda a história da família.
Os avós, os tios, todos os primos.
Lá estava ela acabada de nascer… já a gatinhar… a correr e a brincar no baloiço. Uma Laura bebé, uma Laura crescida!...
Os casamentos, os baptizados, todos os momentos importantes,
imagens da vida de cada um, da vida de todos que iam preenchendo os espaços das paredes e muito para lá de qualquer espaço.


16


«- Avó, nunca mais vai acabar?» Perguntou apontando a dimensão da casa.
«- Nunca mais. É um poço sem fundo.»
«- Um poço sem fundo?»
A avó não ouviu porque estava a abrir a porta da cozinha.
«- Vem ver o jardim.»


17

O perfume das flores espalhava-se por todo o lado. As roseiras estavam cheias de rosas de todas as cores.
Um paraíso!
Quase em atropelo, saltando as escadas, um grande gato preto, de olhar ameaçador e uma cadela ainda maior, com um olhar inquieto.
«- É a Laurinha.» Apresentou a avó.
«- O Zecas e a Luna.» Falou o avô.
Aproximaram-se, então, confiantes.
«- O que é que vocês fazem aqui, sozinhos?»
Quis saber a Laura.
Eles não gostaram da pergunta. Observaram-na durante alguns instantes; depois, perfilaram-se no cimo da escada e com voz forte, de comando, responderam em coro: «- Tomamos conta do poço sem fundo.»

18

A Laura estava cada vez mais intrigada. Um cão e um gato que falavam e… tomavam conta de uma casa ou de um – poço
sem fundo?!...
Mas o avô chamava, da parte de cima, da horta, das árvores cobertas de frutos.
«- Vem comer os figos. Já estão madurinhos.»
Falava com a boca cheia.


19


Depois de todas as surpresas, tantas maravilhas.!...
Depois de saborear os figos, as ameixas, os pêssegos, abraçar as rosas, a Laura aproximou-se da avó.
«O que é um poço sem fundo?»

20


A avó falou de um poço que aparecia no deserto, de água cristalina e transformava as dunas num oásis, matava a sede a todos os que chegavam e partiam.
«- Mas…esta casa… com tantas fotografias… tantas mensagens…»
«- Tudo isto é apenas amor. Muito amor. »
Acariciou o rosto da neta e, muito baixinho, continuou: «-O Mar só é mar porque tem os rios. O oásis só é oásis por causa do deserto.


21


Esta casa, este jardim… até o Zecas, a Luna…só são - um poço sem fundo, por causa do amor.
O amor de cada um.»

22


Depois de muitos voos, muitas esperas nos aeroportos, o cansaço de uma longa viagem, a Laura chegou, novamente, à grande cidade.


23

«Foram umas férias maravilhosas.
É tão linda a tua terra, papá!
Sabes, gostei muito de encontrar a família. Tão grande! …
Mas, acima de tudo, estou muito feliz, porque agora eu sei que, o nosso coração está cheio de amor.
É esse amor que vai manter, sempre, todos unidos.
Um poço sem fundo.»





Elsa Braz
20/o1/2010

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