Memórias de Verde, Silêncios de Azul

Poemas soltos, por Elsa Braz

segunda-feira, fevereiro 22, 2010

Como as árvores

7

Durante muito tempo fiquei ali, extasiada, observando aquela floresta.
Entre as àrvores que iam crescendo, as árvores já com troncos, enrugados, carcomidos pela força das intempéries,as grandes e frondosas árvores.
Fiquei ali. Bebendo o hino de louvor das folhas e dos ramos, o rodopiar do vento, o chilrear dos pássaros. Numa harmonia, um acalentar de ninhos, sonhos e memórias.
Sem ervas daninhas, atropelos de espaço, férteis na força das raízes,da seiva.
Uma grande floresta.
De repente, ao olhar o outro lado do caminho, dei conta de uma placa de madeira, com letras bem desenhadas, pintadas com tinta preta; letras ameaçadoras, veementes.
«- É PROÍBIDO DESPEJAR LIXO.»
Uma placa.Uma sentinela.
Então, entendi. Não era suficiente, cuidar as árvores. Era necessário preservá-las das agressões exteriores.
«- É Proíbido despejar lixo», que corrompa, adultere, viole, destrua, mate. A beleza, o sentido da vida, os valores da floresta.
À semelhança das árvores,pareceu-me também, ser necessário, urgente,perante os desatinos que, em todas as frentes, estão agredindo o mundo actual. colocar placas. «É PROÍBIDO VAZAR ENTULHO».
Nas famílias, nas instituições, na sociedade e...acima de tudo... nos governos, nas assembleias, nos centros de decisões, nos detentores da força e do poder.
Para impedir, anular, os vazadouros de entulho,que, camuflados de bem comum, segurança, protecção, valorização,justiça, progresso, continuem corrompendo o direito à vida, à justiça,verdade e dignidade. Transformando os sonhos, os ideais, as crenças.
É urgente. Reorganizar a família no amor, no casamento, nos filhos, no direito á vida, ao trabalho, à manutenção dos ideais. Reensinar aos jovens, ás crianças, o respeito, a hierarquia dos valores, o sabor das vitórias, as conquistas na solidariedade, na fraternidade.Dar aos mais velhos o lugar que lhes pertence, o carinho alargado aprendendo, imitando, os seus percursos.
É urgente. Deixar nas instistuições, nos dirigentes o voto da confiança.São os dirigentes. Mas,precisamente por isso, não permitir, o proliferar de «lixos».

quinta-feira, fevereiro 11, 2010

convite

Naquele recanto
De Monsanto
Onde nós
Costumávamos passar
As amendoeiras
Já começam
A desabrochar

Vem
Meu amor
Sentir o seu perfume
Beber
A magia branca
Das flores
E sonhar
O despontar
Da primavera

Vem
Como se o tempo
De novo
Voltasse
Na força
Na pujança
E nós
A abarrotar
De Esperança
Construindo
Ambições
E fortalezas

O mundo inteiro
Apenas um canteiro
Para nós
Podermos semear
E a vida
Uma guarida
Quando o tempo
Mudar

Vem
Meu amor
Há amendoeiras
Em flor

No nosso inverno.

quarta-feira, fevereiro 10, 2010

Como as árvores

Fomos nós que inventámos a estratificação.
Colocámos as gerações em patamares distintos, separados. As crianças, os jovens, os mais velhos.
Tudo em nome da nossa auto-promoção, realização pessoal, liberdade de acção,conquis- ta independente do tempo e da vida.
Em nome de tudo o que consideramos certo, adequado, às exigências, às solicitações,experiências, conhecimentos.O progresso. O mundo actual.
Então, inventamos - para os mais novos - aquilo a que chamámos de equipamentos. Equipamentos sociais. Creches, jardins de infancia, escolas (com vários ciclos), Atls e outras tantas modalidades . Onde se mantinham, a tempo inteiro.
Foi necessário ultrapassar a disciplina rígida, a imagem do professor, ditador,único detentor da sabedoria, para novas formas de expressão, criatividade, desenvolvimento psicológico, sem traumas, nem bloqueios.
Nesse sentido, apoiamos também, as discotecas, os clubes nocturos, o alcool, toda a espécie de drogas, o aborto, a pílula do dia seguinte, os jogos de violência. Tudo em nome da experiência, da escolha, da liberdade sem barreiras.
E...quando surgiu a Sida, as tóxidependências, a marginalidade, o abandono de tudo, a corrupção, o suicidio... empurramos para a sociedade, o governo.
Fomos nós que abandonamos os mais velhos. Depois de uma vida inteira de trabalho, conhecimentos, doação. Em casas vazias, com a janela e o vislumbre da rua, num mundo sem reconhecimento, sem lugar para a acção, a intervençao.
Mas, criámos equipamentos sociais a que, irónicamente, chamamos lares, Casas de repouso. Onde ficam, reduzidos ao silêncio e á espera...dos filhos e dos netos!... Sujeitos, muitas das vezes, à ignorância, o abandono, a falta de escrúpulos, o lucro.
Fomos nós.E...agora? Preparamo-nos para partir, com o pequeno principe de Saint-Exupery,para outro planeta? Ou arregaçamos as mangas e tomamos parte na caravana da solidariedade entre gerações?
Ao lado de quantos, no dia a dia, já reconstroem o amor e a Esperança?!

segunda-feira, fevereiro 08, 2010

Como as árvores

5

«- O grupo de idosos com quem começei a trabalhar estava embrulhado num manto de pobreza.
Todos os meses, sempre á mesma hora, senhoras da caridade transportavam-nos para um pequeno encontro, a oração do terço e um chá.
Tão escondidos, naquela capa de indigência que, mal se adivinhava o rosto, o olhar.
Um trabalho de animação. Como?
Antoine de Saint Exupery apresentou-me, então, o principezinho, a raposa e um segredo «- Só se vê bem com o coração. O essencial é invisivel para os olhos.
Criar laços,-cativar.»
Foi um longo percurso. Dificil. Gratificante.
Aquele grupo tornou-se cada vez maior, mais dinamico, mais solidário.
Tomou parte activa na comunidade. Numa partilha de valores,uma riqueza muito grande de vida, a força, a sabedoria dos anos.

Vertente

Da vida
Eu sei
As flores que vão nascendo
A terra bravia
Onde vou semeando
O sol
E a chuva
Derramados
Em tantos olhares
A nostalgia
Das pradarias
Onde o sonho esvazia
A ansiedade dos abraços
E quantos laços
Esconde a brisa.

Para quê
Jardins artificiais
Com estufas pré-fabricadas
Onde se cultivam rosas
De todas as cores e feitios
Quando me satisfaz
A transparência
Humanizada
Dos rios?!...

Para quê
Torres, castelos
Arranha-céus
Num desafio ao vento
Se um vou semear
Em cada olhar
As estrelas
Onde me sustento?!...

domingo, fevereiro 07, 2010

Como as árvores

4

«-Disseram-me que era uma passagem. Só até recuperar.
Quando recuperei disseram-me que já não tinha casa. Este lar seria a minha casa.
Passei, então, a viver de esperas. Os filhos, os netos, os amigos.
Todos os dias, na hora da visita, caminhava para o portão, no fundo do jardim e esperava.
Regressava com as mãos a abarrotar de ausências, silêncios. Uma solidão cada dia mais funda e mais dorida.
Fui ocupando a cadeira de verga, na sala abarrotada com cadeiras todas iguais e uma televisão que falava para o vazio.
Quis contar as minhas histórias. Mandavam-me calar, para não perturbar.
Comecei a falar para dentro de mim.A viver a vida passada, os projectos de futuro, os sonhos, as esperanças. Às vezes até a sorrir. Feliz.Novamente menina correndo sem destino. Quem passa diz que sou maluquinha.
E...continuo viva. Em pé. Com a dignidade das árvores.

sexta-feira, fevereiro 05, 2010

Como as árvores

3

«- Fui obrigada a pedir a reforma. A pressão era tão grande que não aguentava mais. Faziam-me sentir uma desactualizada, retrógada, incapaz( de aprender coisas novas, entrar em novos projectos, participar em acções de formação, frequentar cursos). Sempre a mesma desculpa - porque não vais para casa, dá lugar aos mais novos; e não correspondia aos itens da classificação de serviço, subjectivos, arbitrários. Eu que investira a minha vida, tinha armazenado uma fonte de conhecimentos e valores.
Bati com a porta e regressei á vida de reformado. Ainda por cima penalizado pela nova legislação.
Regressei. E aí, constactei que, apesar de muito se ter feito, ainda muito há a fazer sobretudo no sentido de abranger aqueles que têm uma cultura e um nivel intelectual superiores.Poderiam ser mais utilizados,disporem de outras oportunidades para dar, ser util, solidário, mais realizados. Quantos programas de televisão, na rádio, nos meios de comunicação social que podiam ter a participação o intercâmbio dos mais velhos? Quantos cursos de formação, quanto intercâmbio com os jovens?!... Mesmo a nivel da internet, das novas tecnologias. Dão-se computadores ás crianças e aos jovens. Muito bem. Mas quantos «Magalhães ou outro nome qualquer», estão á disposição daqueles que são os alicerces do futuro?
Ser mais velho não significa estar morto. Significa estar de pé. Como as árvores.